quinta-feira, 12 de junho de 2014

Capítulo 1

   “A gente devia ir até um bar comemorar.” 
 A declaração enfática de meu amigo Cary Taylor, com quem eu dividia um 
apartamento, não foi nada surpreendente. Ele estava sempre disposto a comemorar, mesmo 
as coisas mais insignificantes. Sempre considerei isso parte de seu charme. 
 “Sair pra beber um dia antes de começar num emprego novo com certeza não é uma 
boa ideia.” 
 “Vamos lá, Demi.” 
 Cary sentou no chão da sala do nosso novo apartamento, em meio à bagunça da 
mudança, e abriu seu sorriso irresistível. Fazia dias que só cuidávamos da arrumação, e 
ainda assim ele estava lindo. Com seu corpo esguio, cabelos escuros e olhos verdes, Cary 
era o tipo de homem cuja aparência, quaisquer que fossem as circunstâncias, raramente era 
algo menos do que incrível. Isso me deixaria com raiva, se ele não fosse a pessoa que eu 
mais adorava no mundo. 
 “Não estou dizendo pra gente encher a cara”, ele insistiu. “Só uma ou duas tacinhas 
de vinho. A gente pega o happy hour e volta pra casa lá pelas oito.” 
 “Não sei se vou ter tempo.” Apontei para minha calça de ioga e meu top de 
ginástica. “Depois que eu cronometrar a caminhada até o trabalho, vou pra academia.” 
“É só andar depressa e malhar mais depressa.” A expressão de Cary, com as 
sobrancelhas cuidadosamente curvadas em um arco perfeito, me fez rir. Nunca perdi a 
esperança de que seu rosto incrível aparecesse um dia em outdoors e revistas de moda do 
mundo inteiro. Qualquer que fosse sua expressão, ele era um arraso. 
 “Que tal amanhã, depois do trabalho?”, ofereci em troca. “Se eu conseguir 
sobreviver ao primeiro dia, aí sim vamos ter o que comemorar.” 
 “Combinado. Hoje vou estrear a cozinha nova fazendo o jantar.” 

 “Hã...” Cozinhar era um dos prazeres de Cary, mas não um de seus talentos.
 “Legal.” 
 Afastando uma mecha de cabelo que caíra sobre seu rosto, ele me olhou com um 
sorriso. 
 “A gente tem uma cozinha de fazer inveja à maioria dos restaurantes. Não tem erro 
ali.” 
 Não muito convencida, eu me despedi com um aceno, decidida a me esquivar da 
conversa sobre a cozinha. Desci para o térreo de elevador e sorri para o porteiro quando ele 
abriu a porta pra mim. 
Assim que pus o pé para fora, fui envolvida pelos aromas e ruídos de Manhattan, 
que me convidavam a sair e explorar. Eu não estava apenas do outro lado do país em 
relação à minha antiga casa em San Diego — parecia estar em outro mundo. Duas 
metrópoles importantes — uma infinitamente amena e sensualmente preguiçosa, a outra 
pulsando como um organismo vivo carregado de uma energia frenética. Nos meus sonhos, 
eu me imaginava em um pequeno e charmoso prédio no Brooklyn, mas, por ser uma boa 
menina, acabei no Upper West Side. Se não fosse o Cary, eu estaria completamente sozinha 
em um apartamento enorme que custa por mês mais do que a maioria das pessoas ganha em 
um ano. 
 Paul, o outro porteiro, me cumprimentou tirando o quepe. 
 “Boa noite, senhorita Lovato. Vai precisar de um táxi esta noite?” 
 “Não, obrigada, Paul.” Bati no chão com os amortecedores do meu tênis de ginástica. “Vou sair pra caminhar.” 
 Ele sorriu. “Esfriou um pouquinho agora no fim da tarde. O tempo está gostoso.” 
 “Me disseram pra aproveitar o mês de junho, antes que comece o calor de verdade.” 
 “Um ótimo conselho, senhorita Lovato."
Ao me afastar da fachada envidraçada e moderna que de alguma forma não 
destoava da idade do edifício e da vizinhança, desfrutei da relativa tranquilidade da rua 

arborizada antes de chegar à agitação e ao trânsito intenso da Broadway.
. Eu ainda tinha esperanças de me adaptar rapidamente,mas por enquanto eu me sentia uma falsa nova-iorquina.Eu tinha um apartamento ,mas ainda não me sentia segura o bastante para me aventurar no metrô,e não tinha me acostumado a acenar ostensivamente para os táxis.Enquanto caminhava,eu tentava não parecer impressionada e atônita,mas era difícil.Havia tanta coisa para ver e experimentar.
O estímulo sensorial era atordoante — o cheiro da fumaça dos escapamentos misturados com o da comida dos carrinhos dos ambulantes;os gritos dos camelôs se infiltrando na música dos artistas de rua;a impressionante variedade de rostos,estilos e sotaques;as maravilhas arquitetônicas... E os carros.Minha nossa.O fluxo  frenético de carros,sempre grudados uns nos outros,era algo que eu nunca tinha visto na vida.
 Havia sempre uma ambulância,uma viatura ou um caminhão de bombeiros 
tentando romper a torrente de táxis amarelos com o uivo eletrônico de sirenes ensurdecedoras. Fiquei impressionada com os ruidosos caminhões de lixo que se 
arremessavam em ruas estreitas de mão única e com os entregadores que encaravam a 
massa compacta de veículos, com prazos rigorosos a cumprir. 
 Os verdadeiros nova-iorquinos nem reparavam em tudo isso — a cidade para eles 
era familiar e confortável como um velho par de sapatos. Eles não viam as ondas de vapor 
escapando dos bueiros e saídas de ar com um encanto carregado de romantismo, nem 
pareciam notar quando o chão tremia sob seus pés com a passagem do metrô — ao 
contrário de mim, que sorria como uma idiota e encolhia os dedos dos pés. Nova York era 
um caso de amor totalmente novo para mim.Eu estava embasbacada e não conseguia 
esconder. 
 Tive que me esforçar bastante para manter uma atitude indiferente enquanto me 
dirigia ao local em que ia trabalhar. Pelo menos em termos profissionais, as coisas estavam 
acontecendo da maneira como eu queria. Meu desejo era ganhar a vida com base em meus 
próprios méritos, o que significava começar por baixo. A partir da manhã seguinte, eu seria 
a assistente de Mark Garrity na Waters Field & Leaman, uma das maiores agências de 
propaganda dos Estados Unidos. Meu padrasto, o magnata do setor financeiro Richard 
Stanton, não gostou nada da ideia — na opinião dele, se eu fosse menos orgulhosa, poderia 
trabalhar para algum amigo dele e colher os benefícios inerentes a esse tipo de 
proximidade.
 “Você é teimosa como seu pai”, ele falou. “Ele vai demorar a vida inteira para 
conseguir pagar seu financiamento estudantil com o que ganha como policial.” 
Esse foi outro motivo de disputa, e meu pai se recusou terminantemente a ceder. 
“De jeito nenhum outro homem vai pagar pela educação da minha filha”, respondeu Patrick
lovato quando Stanton fez sua proposta. Ele ganhou meu respeito com essa atitude. E acho 
que o de Stanton também, embora ele nunca vá admitir isso.Eu entendia o lado dos dois, 
porque queria pagar eu mesma pelos meus estudos... mas não teve jeito. Para meu pai, era 
uma questão de honra. Minha mãe não quis se casar com ele, mas isso não diminuiu sua 
determinação em agir como pai em toda e qualquer situação. Como remoer frustrações do passado nunca leva a nada, concentrei-me na tarefa de 
chegar ao trabalho o mais rápido possível. Decidi cronometrar o trajeto em um horário de 
pico de uma segunda-feira, e fiquei satisfeita por conseguir chegar ao Jonas Building, 
sede da Waters Field & Leaman, em menos de meia hora. Inclinei a cabeça e segui o contorno do edifício até encontrar o azul do céu.
 O  Jonas Building era absolutamente fenomenal — uma torre imponente com um brilho safírico que 
parecia chegar até as nuvens. Nas entrevistas que fiz ali, vi que o outro lado das portas 
giratórias ornadas com cobre era tão suntuoso quanto seu exterior, com piso e paredes 
revestidos de mármore dourado e mesas e catracas de alumínio polido. 
Tirei meu novíssimo crachá do bolso da calça e mostrei para os dois seguranças de 
terno escuro sentados à mesa. Eles me barraram assim mesmo, sem dúvida por eu estar 
muito malvestida para aquele ambiente, mas depois me deixaram entrar. Após subir os 
vinte andares de elevador, pude fazer uma estimativa do tempo de viagem de casa até o 
trabalho. Nada mau.
   Eu estava saindo do elevador quando vi uma morena bonita e muito bem arrumada 
passar pela catraca sem levantar devidamente a bolsa, que ficou enroscada e se abriu, 
provocando um dilúvio de dinheiro sobre o chão. As moedas caíram e saíram rolando 
alegremente — e as pessoas que passavam se esquivavam do caos e seguiam em frente 
como se nada estivesse acontecendo. Em um gesto de compaixão, eu me curvei para ajudá-
la a recolher o dinheiro, junto com um segurança que havia tido o mesmo impulso. 
 “Obrigada”, ela disse, abrindo um breve sorriso no rosto quase coberto pelos 
cabelos. Retribuí o sorriso. “Imagina. Essas coisas acontecem.” 
 Eu tinha acabado de me agachar para alcançar uma moedinha que fora parar perto 
da entrada quando dei de cara com um luxuoso par de sapatos oxford, encimado por uma 
elegante calça preta. Esperei um pouco para que aquele homem saísse do caminho, mas, 
como ele não se mexia, levantei a cabeça para ampliar meu campo de visão. O terno feito 
sob medida já era suficiente para deixar meus sinais de alerta ligados, mas era o corpo alto 
e esguio por baixo dele que o tornava sensacional. Ainda assim, apesar de toda aquela 
demonstração impressionante de masculinidade, foi só quando vi seu rosto que percebi o 
que havia de fato diante de mim.

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