quinta-feira, 12 de junho de 2014

Capítulo 2

  Uau. Simplesmente... uau. 
 Em um gesto cheio de elegância, ele se agachou bem de frente para mim. Com toda 
aquela beleza masculina ao alcance dos meus olhos, tudo o que eu podia fazer era encarar. 
Admirada. 
 Foi então que o espaço que havia entre nós desapareceu. 
 Ao olhar para mim, ele mudou... como se um escudo tivesse sido removido de seus 
olhos, revelando uma força vital esmagadora que me fez perder o fôlego. O magnetismo 
poderoso que ele exalava se intensificou, transformando-se em uma impressão quase 
tangível de uma energia vigorosa e inesgotável. 
Reagindo puramente por instinto, eu me inclinei para trás. E caí de bunda no chão. 
 Meus cotovelos latejavam violentamente pelo baque contra o piso de mármore, mas a dor passou quase despercebida. Eu estava mais preocupada em olhar, hipnotizada por 
aquele homem na minha frente. Seus cabelos de um preto bem vivo emolduravam um rosto 
de tirar o fôlego. Sua estrutura óssea faria um escultor chorar de alegria, e sua boca de 
contornos firmes, seu nariz retilíneo e seus olhos castanhos-esverdeados  intensos lhe conferiam uma beleza 
selvagem. A não ser pelos olhos ligeiramente estreitados, sua fisionomia denotava uma impassibilidade total. 
 Tanto sua camisa como seu terno eram pretos, mas a gravata combinava perfeitamente com o brilho da íris. Seus olhos eram penetrantes e inquisidores, e estavam 
pregados em mim. Meu coração começou a bater mais forte; meus lábios se abriram 
parcialmente com a aceleração da respiração. Seu cheiro era tentador. Não era colônia. 
Loção corporal, talvez. Ou xampu. O que quer que fosse, era inebriante, assim como ele. Ele estendeu a mão para mim, mostrando suas abotoaduras de ônix e um relógio que 
aparentava ser caro. 
 Inspirando tremulamente, pus a mão sobre a dele. Minha pulsação disparou quando ele a apertou. Seu toque era como uma onda de eletricidade, que subiu pelo meu braço e 
arrepiou os pelos da minha nuca. Por um momento ele permaneceu imóvel, com uma ruga preenchendo o espaço entre suas sobrancelhas absurdamente bem desenhadas.
 “Está tudo bem?” 
 Sua voz era suave e refinada, com um toque de rouquidão que fez meu estômago gelar. Era uma evocação ao sexo. Ao que o sexo tinha de melhor. Por um momento cheguei 
a pensar que poderia ter um orgasmo só de ouvi-lo falar. Meus lábios estavam ressecados, então passei a língua por eles antes de responder: 
“Sim”. 
 Ele se levantou com uma notável economia de gestos, puxando-me junto para cima. 
Continuamos nos encarando, porque eu não conseguia olhar para outra coisa. Ele era mais jovem do que imaginei a princípio. Meu palpite seria menos de trinta, mas seus olhos pareciam muito mais experientes. Implacavelmente inteligentes e afiados.Era como se eu estivesse sendo atraída para ele, como se houvesse uma corda em 
torno da minha cintura me arrastando de forma lenta mas inexorável em sua direção. 
 Piscando para despertar dessa espécie de delírio, eu o soltei. Ele não era apenas lindo, era... fascinante. O tipo de cara que faz uma mulher querer abrir sua camisa com um único puxão e ver os botões irem abaixo junto com as inibições. Olhei para seu terno civilizado, requintado e absurdamente caro e só consegui pensar em uma trepada violenta, de rasgar os lençóis. Ele se abaixou para apanhar o crachá que eu nem percebi que havia derrubado, 
libertando-me de seu olhar irresistível. Meu cérebro lutava para voltar a funcionar normalmente.  Fiquei irritada por me sentir tão desconcertada enquanto ele parecia tranquilo e 
controlado. E por quê? Porque eu estava deslumbrada, ora . 
 Ele me olhou lá de baixo, e essa posição — ele praticamente ajoelhado na minha frente — fez com que eu quase perdesse o equilíbrio novamente. Enquanto se levantava, 
seus olhos permaneciam fixos nos meus. 
 “Tem certeza de que está tudo bem? É melhor você sentar um pouco.” 
 Senti meu rosto ficar vermelho. Que maravilha parecer insegura e estabanada diante do homem mais confiante e elegante que já conheci. 
 “Eu só perdi o equilíbrio. Está tudo bem.”
 Ao desviar os olhos, vi a mulher que havia derrubado no chão o dinheiro. Ela agradeceu ao segurança que a ajudou e então se virou para falar comigo, desculpando-se 
enfaticamente. Virei para ela e estendi a mão com o punhado de moedas que havia pego, mas seu olhar tinha se voltado para o deus de terno, e ela imediatamente se esqueceu de mim. Depois de um tempo, simplesmente fui até ela e despejei as moedas dentro da bolsa. 
Então arrisquei outra olhada e o encontrei voltado na minha direção, ignorando a moça e seus agradecimentos. Para ele. Não para mim, a pessoa que de fato havia ajudado. 
 Levantei minha voz acima da dela. “Você poderia devolver meu crachá, por favor?” 
 Ele estendeu a mão para me devolver. Apesar de eu ter me esforçado para pegá-lo de volta sem nenhum contato físico, seus dedos resvalaram nos meus, fazendo com que aquela sensação de eletricidade voltasse a circular pelo meu corpo.
 “Obrigada”, murmurei antes de passar por ele e tomar o caminho da rua pela porta giratória. Parei um pouco na calçada, inspirando profundamente o ar de Nova York, que recendia a um milhão de coisas, algumas boas, outras tóxicas.
Havia um Bentley estacionado na frente do prédio, e eu observei meu reflexo nas janelas escuras e impecavelmente limpas daquele carrão. Eu estava vermelha, e meus olhos castanhos pareciam especialmente radiantes. Aquele rosto era familiar para mim — era o que eu via no espelho do banheiro antes de ir para a cama com um homem. Era o meu olhar de estou-pronta-pra-foder, e não deveria estar estampado na minha cara naquele momento, de 
jeito nenhum. Meu Deus. Controle-se. 
 Cinco minutos com o sr. Moreno Perigoso e eu já estava me sentindo dominada por um impulso impaciente e inquietante. Era capaz de sentir seu toque, e um desejo inexplicável de voltar para o lugar onde ele estava. Eu poderia argumentar que ainda não 
havia terminado o que tinha ido fazer no Crossfire, mas sabia que ia me arrepender depois. 
Quantas vezes eu ainda precisaria fazer papel de idiota em um único dia? 
 “Já chega”, disse baixinho para mim mesma. “Hora de ir.” 
 As buzinas ressoavam em meio à disputa milimétrica dos táxis por espaço, interrompidas pelo guinchar dos freios diante de pedestres corajosos o bastante para pisar 
no cruzamento segundos antes de o sinal fechar. Então começava a gritaria, uma explosão de insultos e gestos que na verdade não era motivada por nenhum ódio real. Em poucos segundos, ambas as partes se esqueceriam de tais diálogos, que eram apenas mais uma 
forma de expressão do modo de vida da cidade. 
 Quando voltei a me misturar ao intenso tráfego de pedestres para ir à academia, minha boca se sentiu tentada a abrir um sorriso. Ah, Nova York, pensei, sentindo-me à vontade novamente, você é demais.
 Minha ideia era fazer o aquecimento na esteira e matar o restante do tempo me exercitando em alguns aparelhos, mas, quando vi que a aula de kickboxing para iniciantes estava para começar, decidi me juntar aos alunos que aguardavam. Quando a aula terminou, senti que havia retomado o controle sobre mim. Meus músculos tremiam, e eu me sentia cansada na medida certa, com a certeza de que dormiria como uma pedra quando me deitasse. 
“Você foi muito bem.” 
 Limpei o suor do rosto com uma toalha e olhei para o jovem que havia falado comigo. Magro, embora com uma musculatura bem definida, ele tinha olhos castanhos bem vivos e uma pele morena impecável, café com leite. Seus cílios eram grossos e longos, de 
fazer inveja, mas os cabelos eram raspados bem rentes.
“Obrigada.” Minha boca se contorceu num lamento. “Está na cara que é a minha primeira vez, né?” 
 Ele sorriu e estendeu a mão. “Parker Smith.” 
 “Demetria Lovato." 
“Você leva jeito,Demetria. Com um pouco mais de treino ninguém vai ter coragem de encarar você. Em uma cidade como Nova York, saber se defender é fundamental.” Ele apontou para o quadro de cortiça pendurado na parede. Estava coberto de folhetos e cartões 
de visita. Apanhou uma folha de um bloco de papel fluorescente e ofereceu para mim. “Já ouviu falar em krav maga?”
“Vi em um filme da Jennifer Lopez.” 
 “Sou professor e adoraria ensinar você. Aí tem meu site e o telefone da minha academia.” 
 Gostei da abordagem dele. Foi bem direta, assim como seu olhar, e o sorriso era autêntico. Imaginei que estivesse querendo me paquerar, mas, se era essa a intenção, ele disfarçou bem o suficiente para me deixar em dúvida.Parker cruzou os braços, exibindo seus bíceps bem delineados. Ele vestia uma camiseta preta sem mangas e uma bermuda comprida. Seu tênis tinha a aparência surrada 
dos calçados realmente confortáveis, e era possível ver as tatuagens tribais que se estendiam até pouco abaixo de seu pescoço. “No site tem todos os horários. Você pode assistir a uma aula, só pra ver se gosta.” 
“Vou pensar a respeito, pode deixar.” 
 “Muito bem.” Ele estendeu a mão e me cumprimentou com firmeza e confiança. 
“Espero ver você de novo.”
 Um cheiro maravilhoso se espalhava pelo apartamento quando cheguei, e a voz de Adele saía cheia de emoção das caixas de som, cantando “Chasing Pavements”. Olhei para o outro lado da sala integrada com a cozinha e vi Cary balançando ao som da música 
enquanto mexia alguma coisa perto dele. No balcão, havia uma garrafa de vinho tinto e duas taças, uma delas pela metade.
“Ei”, eu chamei ao me aproximar. “O que você está fazendo aí? Dá tempo de tomar banho primeiro?"
Ele serviu o vinho na outra taça e a arrastou pelo balcão até mim com movimentos seguros e elegantes. Olhando para Cary, ninguém seria capaz de dizer que ele passou a infância entre temporadas com a mãe viciada em drogas e lares adotivos, e a adolescência em reformatórios juvenis e centros de reabilitação estatais. 
“Macarrão à bolonhesa. E deixe o banho para mais tarde, já está pronto. Se divertiu bastante?”
“Lá na academia, sim.” Puxei um dos banquinhos de madeira do balcão e me sentei. Contei a ele sobre a aula de kickboxing e sobre Parker Smith. “Quer ir comigo?”ei a ele sobre a aula de kickboxing e sobre Parker Smith. “Quer ir comigo?” 
 “Krav maga?”, Cary balançou a cabeça. “Isso não é moleza, não. Eu ficaria cheio de hematomas e acabaria perdendo alguns trabalhos. Mas posso ir com você até lá, pro caso do sujeito ser um maníaco.” 
 Fiquei calada enquanto ele despejava o macarrão no escorredor. “Um maníaco?” 
 Meu pai havia me ensinado muito sobre os homens — por isso eu sabia que o deus de terno era encrenca certa. As pessoas costumam sorrir quando ajudam alguém, como uma forma de criar uma ligação momentânea para quebrar o gelo. Por outro lado, eu também não tinha sorrido para ele. 
 “Gata”, disse Cary, tirando as tigelas da prateleira, “você é uma mulher sexy e deslumbrante. Duvido da masculinidade de qualquer homem que resista à tentação de chamar você pra sair assim que tem a chance.” 
 Agradeci franzindo o nariz para ele. 
Ele me serviu uma tigela contendo pequenos tubos de macarrão cobertos com um 
molho ralo de tomate com pedaços de carne moída empelotada e ervilha. 
 “Você não para de pensar em alguma coisa. O que é?” 
 Hum... Peguei o cabo do garfo enfiado na tigela e decidi não fazer nenhum comentário sobre a comida. “Acho que hoje vi o homem mais lindo do planeta. Talvez o mais lindo da história do planeta.”
 “Ah, é? Pensei que fosse eu. Conte mais.” 
 Cary preferiu ficar do outro lado do balcão e comer em pé. 
 Esperei que ele desse algumas garfadas na gororoba antes de criar coragem e experimentar. “Não tem muito mais pra contar, na verdade. Caí de bunda no saguão do Jonas Building  e ele me deu uma mão.”
 “Alto ou baixo? Loiro ou moreno? Forte ou magro? E a cor dos olhos?” 
 Empurrei minha segunda garfada goela abaixo com um gole de vinho. “Alto. Moreno. Magro e forte. Olhos castanho-esverdeados. Podre de rico, a julgar pelas roupas e pelos acessórios. E incrivelmente sexy. Você sabe como é: alguns caras bonitos não mexem com os hormônios da gente, enquanto outros não tão bonitos têm um sex appeal absurdo. Esse cara tinha as duas coisas."Senti um frio na barriga como quando o Moreno Perigoso tocou em mim. Lembrei do seu rosto com uma clareza cristalina. Deveria ser proibido um homem ser tão estonteante. Eu ainda estava me recuperando dos danos que ele havia provocado nos meus neurônios. Cary apoiou o cotovelo no balcão e se inclinou para mim, com sua franja comprida cobrindo um de seus olhos verdes e faiscantes. “E o que aconteceu depois que ele ajudou 
você a levantar?”
 Encolhi os ombros. “Nada.” 
 “Nada?” 
 “Fui embora.”
“Quê? Não rolou nem uma paquera?” 
 Comi mais uma garfada. Na verdade, a comida não estava ruim. Ou então era eu que estava morrendo de fome. “Ele não era do tipo que dá pra paquerar, Cary.” 
 “Não existe essa história de gente que não dá pra paquerar. Até as pessoas casadas e felizes gostam de uma paquera inofensiva de vez em quando.”
 “Esse cara não tinha nada de inofensivo”, eu disse num tom seco. 
 “Ah, sei.” Cary balançou a cabeça, mostrando que tinha entendido. “Esses são divertidos, mas é melhor não se envolver com eles.” Cary obviamente sabia do que estava falando; homens e mulheres de todas as idades se atiravam a seus pés. Ainda assim, de alguma forma ele conseguia fazer sempre a escolha errada. Já tinha sido traído, perseguido obsessivamente, aturado ameaças de suicídio... O que quer que pudesse acontecer, já tinha acontecido com ele. “Não vejo como eu poderia me divertir com esse cara”, continuei. “Ele era intenso demais. Mesmo assim, aposto que ele deve ser incrível na cama, com toda aquela intensidade.”“É assim que se fala. Esqueça o cara real. Use o rosto dele nas suas fantasias e faça com que nelas ele seja perfeito.”Preferia mantê-lo longe dos meus pensamentos de toda e qualquer maneira, então mudei de assunto. “Você tem algum trabalho amanhã?” 
 “Claro.” Cary me passou os detalhes de sua programação para o dia seguinte, mencionando anúncios para uma marca de jeans, produtos de bronzeamento, cuecas e colônias. 
 Esqueci de todo o resto e me concentrei nele e no seu sucesso cada vez maior. A demanda por Cary Taylor crescia diariamente, e ele estava ganhando entre fotógrafos e clientes uma reputação de profissionalismo e dedicação. Eu estava felicíssima por ele, e 
muito orgulhosa. Cary havia conquistado muito, depois de ter sofrido um bocado. 
 Apenas depois do jantar percebi duas enormes caixas de presente encostadas no sofá. “O que é isso aí?” 
 “Isso aí”, Cary respondeu, acompanhando-me até a sala, “é o máximo.” 
 Percebi imediatamente que aquilo era coisa de Stanton e minha mãe. O dinheiro era algo de que minha mãe precisava para ser feliz, e para minha sorte Stanton, o marido número três, era capaz de suprir essa necessidade e muitas outras também. Diversas vezes 
desejei que isso a fizesse sossegar, mas minha mãe nunca aceitou bem o fato de eu ter outro tipo de relação com o dinheiro. “O que foi agora?” 
 Cary jogou seu braço por cima dos meus ombros — algo facílimo para ele, que era pelo menos dez centímetros mais alto que eu. “Não seja ingrata. O cara ama sua mãe. 
Adora mimá-la, e ela adora mimar você. Não importa o que você pense, ele não faz essas coisas por você. Stanton faz tudo isso por ela.” Concordei soltando um suspiro. “O que temos aí?” 
 “Roupas chiques para o jantar beneficente de sábado. Um vestido arrasador para você e um smoking Brioni pra mim, porque comprar presentes pra mim é o que ele faz por você. O fato de eu estar aqui pra ouvir você reclamar da vida melhora um pouco esse seu 
mau humor.”
“Isso é verdade. Ainda bem que ele sabe disso.” 
 “Claro que sabe. Stanton não seria um zilionário se não soubesse de tudo.” Cary me pegou pela mão e me arrastou até lá. “Então. Dá só uma olhada.”Na manhã seguinte, às dez para as nove, atravessei a porta giratória do saguão do Jonas Building. Para causar uma boa impressão no meu primeiro dia, tinha ido vestida com um tubinho básico e sapatos pretos de salto alto para combinar, quesubstituíram meus tênis de caminhada durante a subida do elevador. Meus cabelos loiros estavam presos em um coque muito bem-feito, que parecia um número oito estilizado, uma cortesia de Cary. Eu não tinha o menor jeito para penteados, mas ele era capaz de criar obras-primas glamorosas. Estava usando também o colar de pérolas miúdas que meu pai havia me dado como presente de formatura e um Rolex, oferecimento de Stanton e minha mãe. Até cheguei a pensar que estava me preocupando demais com a aparência, mas 
assim que pisei no saguão lembrei que tinha me esborrachado naquele chão usando roupa de ginástica e fiquei agradecida por não me parecer em nada com aquela garota estabanada. 
Os dois seguranças não pareceram ter me reconhecido quando mostrei o crachá a caminho das catracas. Vinte andares acima, lá estava eu no hall de entrada da Waters Field & Leaman. 
Diante de mim havia uma parede de vidro à prova de balas, emoldurando a porta dupla que levava à recepção. A recepcionista, sentada a uma mesa em formato de lua crescente, viu meu crachá através do vidro. Ela acionou o botão para destravar a porta, e eu o guardei
.“Olá, Megumi”, eu cumprimentei enquanto entrava, admirando sua blusa vermelha. Ela era mestiça, de origem asiática, com certeza, e muito bonita. Seus cabelos eram escuros, grossos e bem cortados, mais curtos atrás e compridos e afiados na frente. Seus 
olhinhos puxados eram castanhos e calorosos, e seus lábios, fartos e naturalmente rosados. 
 “Demi, oi. Mark ainda não chegou, mas você sabe aonde ir, certo?”
“Com certeza.” Despedindo-me com um aceno, entrei pelo corredor à esquerda da recepção e, no final, virei de novo à esquerda para chegar a um antigo espaço aberto que havia sido subdividido em baias. Uma delas era a minha, e fui direto até ela.sido subdividido em baias. Uma delas era a minha, e fui direto até ela. 
 Guardei minha bolsa e a sacola com os tênis de caminhada na última gaveta da minha mesa de metal e liguei o computador. Eu tinha levado também algumas coisas para personalizar meu espaço. Uma delas era uma montagem emoldurada de três fotos — eu e 
Cary em Coronado Beach, minha mãe e Stanton no iate dele na Riviera Francesa e meu pai fardado em uma viatura de polícia de Oceanside, Califórnia. Outra era um arranjo de flores bem colorido que Cary havia me dado como presente de primeiro dia de trabalho. Coloquei um ao lado do outro e me recostei na cadeira para visualizar o conjunto. “Bom dia,Demetria.” 
 Fiquei em pé imediatamente para falar com meu chefe. “Bom dia, senhor Garrity.” 
 “Pode me chamar de Mark, por favor. Venha comigo até minha sala.” 
 Eu o segui pelo corredor estreito, mais uma vez pensando em como era agradável olhar para meu novo chefe, com sua pele escura e radiante, seu cavanhaque bem aparado e seus olhos castanhos risonhos.Mark tinha um maxilar anguloso e um sorriso 
charmosamente desalinhado. Era magro e elegante, e sua postura segura inspirava confiança e respeito. 
 Ele apontou para uma das duas cadeiras posicionadas diante de sua mesa de vidro com estrutura cromada e esperou que eu me sentasse para se ajeitar em sua cadeira. Contra o pano de fundo dos arranha-céus da cidade, Mark parecia bem-sucedido e poderoso. Na 
verdade, ele era apenas um gerente de contas júnior, e seu escritório parecia um armário em comparação aos ocupados por diretores e demais executivos, mas ainda assim a vista era 
impressionante. 
 Ele se recostou e sorriu. “Já está tudo ajeitado no novo apartamento?”  Fiquei surpresa por ele ter se lembrado — positivamente surpresa. Eu o conheci quando fiz minha segunda entrevista para o emprego e gostei dele logo de cara. 
 “Na medida do possível”, respondi. “Ainda tem algumas caixas espalhadas aqui e ali.”
“Você veio de San Diego, não é? Uma bela cidade, mas muito diferente de Nova York. Está sentindo falta das palmeiras?” 
 “Estou sentindo falta do ar mais seco. É difícil acostumar com a umidade daqui.” 
 “Espere só o verão começar.” Ele sorriu. “Então... é seu primeiro dia, e você é minha primeira assistente, o que significa que a gente vai ter que trabalhar à base de tentativa e erro. Não estou acostumado a delegar tarefas, mas tenho certeza de que logo 
pego o jeito.”
Eu me senti instantaneamente à vontade. “Mal posso esperar para receber tarefas.” 
 “Ter você por aqui é um passo importante pra mim, Eva. Quero que seja feliz trabalhando aqui. Você toma café?” 
 “O café está na base da minha pirâmide alimentar.” “Ah, uma assistente que gosta das mesmas coisas que eu.” Seu sorriso se alargou. 
“Não vou pedir pra você servir café pra mim, mas não me incomodaria se me ajudasse a aprender a mexer na cafeteira nova que instalaram na copa.” 
 Retribuí o sorriso. “Sem problemas.” 
 “Seria uma decepção muito grande se eu não tivesse nada pra você?” Ele coçou a nuca, meio sem graça. “Que tal a gente dar uma olhada nas contas em que estou trabalhado pra ver o que podemos fazer?"
O restante do dia passou num piscar de olhos. Mark conversou com dois de seus clientes e teve uma longa reunião com a equipe de criação para conceber ideias para a campanha de uma rede de escolas de ensino profissionalizante. Foi fascinante ver 
pessoalmente como os diversos departamentos se alternavam para levar uma campanha da teoria à prática. Eu poderia ter ficado até mais tarde para entender melhor o funcionamento dos escritórios, mas meu telefone tocou às dez para as cinco. 
“Escritório de Mark Garrity.Demetria Lovato falando.” 
 “Saia logo daí pra gente ir beber tudo aquilo que você não quis ontem.”  O tom imperativo fingido de Cary me fez dar risada. “Tudo bem, tudo bem. Estou saindo.” 
 Desliguei o computador e saí. Quando cheguei aos elevadores, saquei o celular e digitei uma mensagem de “Já estou a caminho” para ele. Uma campainha soou, indicando qual dos elevadores ia parar no meu andar. Posicionei-me diante dele e voltei minha 
atenção ao envio da mensagem. Quando a porta se abriu, dei um passo à frente. Tirei os olhos da tela para ver aonde ia e dei de cara com um par de olhos castanho-esverdeados. Prendi a respiração. 
 O deus do sexo era a única pessoa do elevador. 

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