terça-feira, 17 de junho de 2014

Capítulo 22

“Mas você parece estar bem.” Ele se inclinou sobre o balcão. “Não está chorando. 
Parece tranquila. Preciso me preocupar com alguma coisa?” 
 Esfreguei a barriga em uma tentativa de espantar o friozinho instalado ali. “Não, 
vou ficar bem. É que... eu queria que as coisas dessem certo entre nós dois. Quero muito 
ficar com ele, mas mentir sobre coisas assim tão sérias é uma coisa que não consigo 
aceitar.” 
 Minha nossa. Eu não conseguia nem imaginar a possibilidade de que não pudéssemos superar essa dificuldade. Já estava toda ansiosa. A necessidade de ficar com Joseph fazia meu sangue ferver. 
 “Você é osso duro de roer, gata. Estou orgulhoso.” Ele veio até mim, pegou-me pelo 
braço e apagou a luz da cozinha. “Agora vamos dormir e começar um novo dia quando 
amanhecer.” 
 “Pensei que as coisas estivessem indo bem com Trey.” 
 Ele abriu um sorriso lindo. “Querida, acho que estou apaixonado.” 
 “Por quem?” Encostei o rosto em seu ombro. “Por Trey ou pela loira?” 
 “Por Trey, bobinha. A loira foi só pelo exercício.” 
 Eu tinha muita coisa a dizer a respeito, mas não era hora de examinar a tendência de 
Cary a sabotar a própria felicidade. E manter o foco na sua boa relação com Trey talvez 
fosse a melhor abordagem nesse caso. “Então você finalmente se apaixonou por um cara 
legal. A gente deveria sair pra comemorar.” 
 “Ei, essa fala é minha.” 
A manhã seguinte foi permeada por acontecimentos surreais. Cheguei ao trabalho e 
passei o tempo todo com frio. Não conseguia me aquecer de jeito nenhum, apesar de estar vestindo um cardigã por cima da blusa e um cachecol que não combinava com nenhuma das duas peças. Estava demorando mais do que deveria para entender as coisas, e não conseguia espantar um sentimento irracional de medo. 
 Joseph não tentou entrar em contato de forma nenhuma. 
 Não recebi nada no celular depois da minha mensagem na noite anterior. No e-mail 
também não. Nem um bilhete. 
 Esse silêncio era desesperador. Principalmente depois do novo alerta diário do 
Google, com fotos e vídeos de nós dois no Bryant Park feitos por celular. A visão de nós 
como um casal — a paixão e o desejo, a intensidade estampada em nosso rosto, a felicidade da reconciliação — era ao mesmo tempo doce e amarga. 
 Uma dor cresceu no meu peito. Joseph. 
 Se nossa relação não desse certo, eu conseguiria parar de pensar nele? 
 Tive que me esforçar para me recompor. Mark teria uma reunião com Joseph 
naquele dia. Talvez por isso ele não tivesse entrado em contato. Ou talvez estivesse 
realmente muito ocupado. É claro que devia estar, considerando seu cronograma de 
negócios. Até onde eu sabia, ele pretendia ir à academia comigo depois do trabalho. Soltei um suspiro e disse a mim mesma que de alguma forma as coisas se resolveriam. Por bem ou por mal. 
 Faltavam quinze para o meio-dia quando o telefone da minha mesa tocou. Pelo 
mostrador, vi que a chamada vinha da recepção. Não consegui esconder minha decepção ao atender. 
 “Oi, Demi”, Megumi me cumprimentou toda simpática. “Uma moça chamada Magdalene Perez está aqui pra falar com você.” 
 “Comigo?” Olhei para o monitor do computador, confusa e irritada. As fotos do Bryant Park teriam sido motivo suficiente para fazer Magdalene sair do seu covil? 
 Qualquer que fosse a razão, eu não tinha o menor interesse em falar com ela. “Você 
pode pedir pra ela esperar? Preciso resolver uma coisinha primeiro.” 
 “Claro. Vou pedir pra ela se sentar um pouquinho.” 
 Desliguei o telefone, peguei o celular e encontrei o número do escritório de Joseph
na agenda. Para meu alívio, foi Scott quem atendeu. 
 “Oi, Scott. É Demetria Lovato.” 
 “Oi, Demetria. Quer falar com o senhor Jonas? Ele está numa reunião, mas posso passar 
a ligação.” 
 “Não, não precisa incomodar.” 
 “Tenho ordens para isso. Ele não vai se incomodar.” 
 Fiquei muito contente ao ouvir isso. “Acho meio chato jogar esse tipo de coisa no 
seu colo, mas tenho um pedido a fazer.” 
 “O que for preciso. Tenho ordens pra isso também.” A solicitude de sua voz me 
deixou ainda mais tranquila. 
 “Magdalene Perez está aqui no vigésimo. Pra ser sincera, a única coisa sobre a qual 
poderíamos conversar seria Joseph, e essa ideia não me agrada nem um pouco. Se ela tem alguma coisa para falar, deveria se dirigir diretamente ao seu chefe. Você pode mandar alguém pra levá-la aí pra cima?” 
 “Claro. Vou cuidar disso agora mesmo.” 

 “Obrigada, Scott. Agradeço.” 
“É um prazer poder ajudar, Demetria.” 
 Desliguei o telefone e me recostei na cadeira, sentindo-me um pouco melhor e 
orgulhosa de mim mesma por não ter me deixado levar pelo ciúme. Apesar de detestar a 
ideia de que ela ainda tivesse contato com Joseph, eu não havia mentido quando disse que confiava nele. Acreditava de verdade que tinha sentimentos profundos por mim. Só não sabia se isso seria suficiente para que ele contrariasse seu instinto natural.  Megumi me ligou de novo. 
 “Ai, meu Deus”, ela disse, aos risos. “Você precisava ver a cara dela quando 
apareceram aqui pra buscá-la.” 
 “Ótimo.” Abri um sorriso. “Bem-intencionada ela não devia estar. Ela já foi, então?” 
 “Já.” 
 “Obrigada.” Atravessei o corredorzinho estreito até o escritório de Mark e estiquei a 
cabeça lá para dentro para perguntar se ele queria que eu comprasse alguma coisa para o 
almoço. 
 Ele franziu a testa e pensou um pouco a respeito. “Não, obrigado. Só vou conseguir 
comer depois da apresentação para Jonas. Até lá, o que você comprar já vai estar frio e 
passado.” 
 “Que tal uma vitamina, então? Só pra tapear o estômago até você conseguir comer.” 
 “Seria ótimo.” Seus olhos escuros se acenderam e ele abriu um sorriso. “De algum 
sabor que combine com vodca, para me deixar no clima.” 
 “Tem alguma coisa de que você não goste? Alguma alergia?” 
 “Nada.” 
 “Certo. Volto daqui a uma hora.” Eu sabia exatamente aonde ir. A delicatéssen que 
tinha em mente ficava a uns dois quarteirões dali, e tinha vitaminas, saladas e uma enorme variedade de paninis feitos na hora. 
 Desci até o térreo e procurei esquecer o silêncio de Joseph. Eu esperava algum tipo 
de manifestação depois do incidente com Magdalene. O silêncio me deixou novamente 
preocupada. Saí para a rua pela porta giratória e só prestei atenção no homem que desceu do banco de trás de um carro com chofer quando ele me chamou pelo nome. 
 Eu me virei e me vi diante de Christopher Vidal. 
 “Ah... oi”, cumprimentei. “Tudo bem?” 
 “Melhor agora. Você está linda.” 
 “Obrigada. E eu digo o mesmo.” 
 Apesar de muito diferente de Joseph, ele também era maravilhoso, com seus cabelos castanhos ondulados, seus olhos esverdeados e seu sorriso charmoso. Estava 
vestido com um jeans folgado e um suéter creme com gola V que o deixavam muito sexy. 
 “Você veio ver seu irmão?”, perguntei. 
 “Sim, ele e você.” 
 “Eu?” 
 “Está indo almoçar? Posso ir com você e explicar tudo.” 
 Até me lembrei do aviso de Joseph para que eu ficasse longe de Christopher, mas a 
essa altura achava que ele já tinha mais confiança em mim. Principalmente em relação a seu irmão. 
 “Estou indo a uma delicatéssen aqui na rua”, eu disse. “Se você estiver a fim...” 
 “Com certeza.” 

 Começamos a caminhada. 
“Por que você queria me ver?”, perguntei, curiosa demais para esperar. 
 Ele tirou do bolso um convite em estilo formal num envelope de veludo. “Vim 
convidar você para uma festa ao ar livre na propriedade dos meus pais no domingo. Uma 
mistura de negócios e diversão. Vários artistas contratados pela Vidal Records estarão lá. 
Acho que seria uma ótima ocasião para seu colega de apartamento fazer bons contatos — 
ele tem o visual certo pra aparecer em videoclipes.” 
 Fiquei toda animada. “Seria maravilhoso!” 
 Christopher sorriu e me entregou o convite. “Vocês dois vão se divertir bastante. As 
festas da minha mãe são imbatíveis.” 
 Olhei de relance para o envelope na minha mão. Por que Joseph não tinha falado 
nada sobre o evento? 
 “Se você está se perguntando por que Joseph não disse nada a respeito”, ele 
começou, como se estivesse lendo minha mente, “é porque ele não vai. Ele nunca aparece. 
Apesar de ser sócio majoritário da empresa, Joseph acha que a indústria fonográfica e os 
músicos são imprevisíveis demais. A esta altura, você já deve saber como ele é.” 
 Moreno e intenso. Absurdamente atraente e sensual. Sim, eu sabia como ele era. 
Joseph sempre fazia questão de saber no que estava se metendo. Apontei para a delicatéssen quando chegamos, nós entramos e pegamos a fila. 
 “O cheiro aqui está ótimo”, disse Christopher, olhando para o celular enquanto 
digitava uma mensagem. 
 “E o sabor é tão bom quanto o cheiro, pode acreditar.” 
 Ele abriu um agradável sorriso de menino, que com certeza deixava a maior parte das mulheres de joelhos. “Meus pais estão ansiosos para conhecer você, Demetria.” 
 “Ah, é?” 
 “Foi uma surpresa ver fotos suas com Joseph durante toda a semana. Uma surpresa 
boa”, ele fez questão de ressaltar diante da minha expressão. “É a primeira vez que o vemos realmente interessado em alguém com quem ele sai.” 
 Suspirei ao lembrar que, naquele momento, o interesse já não parecia ser tão grande. 
Teria sido um grande erro deixá-lo falando sozinho na noite anterior? 
 Quando chegamos ao balcão, pedi um panini grelhado de queijo com vegetais e duas vitaminas de romã, e expliquei que a segunda era para viagem e eu só pegaria depois 
de comer. Christopher pediu a mesma coisa, e tivemos a sorte de encontrar uma mesa 
naquele lugar lotado. 
 Conversamos sobre trabalho, rimos ao falar a respeito de um vídeo engraçado que 
era a febre da internet no momento e de algumas piadas de bastidores sobre os artistas com que Christopher havia trabalhado. O tempo passou bem rápido, e quando nos separamos na entrada do Jonas Building eu me despedi dele com um sentimento de afeto genuíno. Subi para o vigésimo andar e encontrei Mark ainda na mesa. Apesar de parecer 
muito concentrado, ele sorriu ao me ver. 
 “Caso você não precise de mim”, eu disse, “acho que seria melhor eu não dar as 
caras nessa apresentação.” 
 Apesar de ele tentar esconder, vi o alívio estampado em seu rosto. Não fiquei 
ofendida com isso. A situação era estressante por si só, e minha relação volátil com Joseph era a última coisa com que Mark deveria se preocupar quando trabalhava em uma conta tão importante. 
 “Você vale ouro, Demi. Sabia disso?” 

 Sorri e pus na mesa dele a bebida que havia trazido. “Beba sua vitamina. Está uma delícia, e vai deixar você saciado por um tempo. Se precisar de mim, estou na minha mesa.”
Antes de guardar a bolsa na gaveta, mandei uma mensagem para Cary perguntando se tinha planos para o domingo e se gostaria de ir a uma festa da Vidal Records.Depois 
voltei ao trabalho.Comecei organizando os arquivos de Mark nos servidores, renomeando-os e criando diretórios para facilitar a pesquisa e a montagem de portfólios. 
Quando Mark subiu para a reunião com Joseph, meu coração acelerou e a ansiedade apertou meu estômago. Não conseguia acreditar que estava toda empolgada só porque sabia o que Joseph estava fazendo naquele exato momento, e que ele necessariamente pensaria em mim quando visse Mark. Esperava receber notícias suas depois disso. Fiquei de bom humor só de pensar. 
Durante a hora seguinte, eu mal podia esperar para saber como as coisas tinham ido. 
Quando Mark apareceu com um sorriso no rosto e um andar confiante, eu me levantei na 
minha baia e o aplaudi. 
 Ele fez uma mesura galante e teatral. “Obrigado, senhorita Lovato.” 
 “Estou muito feliz por você.” 
 “ Jonas me pediu para entregar isto.” Ele me deu um envelope pardo lacrado. 
“Venha até a minha sala e eu conto os detalhes.” 
 O envelope era pesado e tilintante. Eu sabia o que era antes mesmo de abrir, mas ainda assim a visão das chaves caindo na minha mão foi uma bela porrada. Com a dor no peito mais intensa que já havia sentido na vida, li o cartão que as acompanhava: 
 OBRIGADO, DEMI. POR TUDO. 
 G 
 Uma sutil e educada dispensa. Só podia ser. Caso contrário, ele me devolveria as 
chaves depois do trabalho, quando fôssemos à academia. 
 Um zumbido invadiu meus ouvidos. Fiquei tonta. Desorientada. Estava com medo. 
Sofrendo. Furiosa. 
 Mas também estava trabalhando. 
 Fechando os olhos e cerrando os pulsos, tentei me recompor e lutar contra a vontade 
de subir e dizer para Joseph que ele era um covarde. Ele provavelmente me via como uma ameaça, uma invasora de seu mundinho em perfeita ordem. Alguém que queria mais do que seu corpo sensual e sua conta bancária recheada. 
 Escondi meus sentimentos no fundo da mente, de forma a ainda ter consciência 
deles, mas sem deixar que me atrapalhassem mais durante o expediente. Quando saí do 
escritório e desci, ainda não tinha recebido sinal de vida dele. Estava emocionalmente em frangalhos, e senti uma enorme pontada de desespero quando saí do Jonas Building. 
 Consegui ir até a academia. Desliguei meu cérebro e corri para valer na esteira, 
adiando a angústia que mais cedo ou mais tarde me atingiria. Corri até sentir o suor escorrer em bicas pelo rosto e pelo corpo, e até minhas pernas não aguentarem mais. 
 Sentindo-me arrebentada e exausta, fui para o chuveiro. Depois liguei para minha 
mãe e pedi que ela mandasse Clancy me pegar na academia e me levar para nossa consulta com o dr. Petersen. Quando me vesti, precisei me esforçar para reunir energia para cumprir minha última tarefa antes de ir para casa e me afogar em lágrimas na cama. 
 Esperei pelo carro no meio-fio, sentindo-me alheia e distante da cidade que zunia ao 
meu redor. Quando Clancy estacionou e desceu para abrir a porta para mim, tomei um susto ao ver que minha mãe já estava lá. Ainda era cedo. Eu achava que seria levada ao 
apartamento em que ela morava com Stanton e precisaria esperar uns bons vinte minutos. 
Era assim que as coisas funcionavam com ela. 
 “Oi, mãe”, eu disse, cansada, acomodando-me no assento ao lado dela. 
 “Como você pôde, Demetria?” Ela estava chorando atrás de um lenço bordado com suas 
iniciais, o que não perturbava a beleza de seu rosto. “Por quê?” 
 Retirada subitamente de meu sofrimento solitário, franzi a testa e perguntei: “O que 
foi que eu fiz agora?”. 
 O fato de eu ter um celular novo, independentemente de como ela pudesse ter 
descoberto, não seria um gatilho para tamanho drama. E ainda era cedo demais para ela 
saber que eu tinha brigado com Joseph. 
 “Você contou para Jonas sobre... sobre o que aconteceu.” Seu lábio inferior 
começou a tremer. 
 Aquilo foi um tremendo choque para mim. Como é que ela sabia? Meu Deus... Será 
que ela tinha grampeado minha casa? Minha bolsa...? “Quê?” 
 “Não se faça de boba!” 
 “Como é que você sabe?” Minha voz saiu em um sussurro. “Conversamos sobre 
isso ontem à noite.” 
 “Ele foi falar a respeito com Richard.” 
 Tentei imaginar a cara de Stanton durante uma conversa como essa. Era impossível 
acreditar que meu padrasto tenha digerido bem a informação. “Por que ele faria isso?” 
 “Ele queria saber o que foi feito para evitar que a história vazasse. E queria saber 
por onde anda Nathan...” Ela soluçou. “Queria saber de tudo.” 
 Bufei por entre os dentes. Não estava certa de quais eram as motivações de Joseph, 
mas a possibilidade de ele ter terminado comigo por causa de Nathan e agora estar fazendo de tudo para se poupar de um escândalo me magoava mais do que qualquer outra coisa. Contorci-me de dor, dobrando a coluna para longe do encosto do assento. Pensei que o passado dele tinha criado um atrito entre nós, mas fazia mais sentido imaginar que tudo aquilo havia sido causado pelo meu. 
 Pela primeira vez na vida agradeci o fato de minha mãe ser tão egocêntrica. Foi isso 
que a impediu de ver que eu estava arrasada. 
 “Ele tinha o direito de saber”, consegui dizer com uma voz tão rouca que nem parecia a minha. “E ele tem o direito de tentar se proteger de eventuais respingos em sua  imagem.” 
 “Você nunca contou nada para nenhum outro namorado.” 
 “Eu nunca tinha namorado ninguém que por qualquer motivo banal já aparece em 
todas as manchetes de jornal.” Olhei pela janela do carro, para o engarrafamento em que 
estávamos presas. “Joseph e as Indústrias Jonas são conhecidos mundialmente, mãe. Ele 
está a anos-luz dos caras que namorei na faculdade.” 
 Ela ainda disse mais algumas coisas, mas não escutei. Fechei-me em mim mesma 
para me proteger, para me desligar de uma realidade que de uma hora para outra se tornara difícil demais de suportar. um homem bonito com cabelos grisalhos e olhos azuis inteligentes e compreensivos.  O dr. Petersen nos deu as boas-vindas com um sorriso no rosto, comentando sobre a beleza de minha mãe e sobre como éramos parecidas. Disse que estava feliz em me ver de novo e que eu parecia estar muito bem, mas deu para perceber que só falou isso para agradar a minha mãe. Ele era um observador experiente demais para deixar de notar os sentimentos que eu estava reprimindo. 
 “Então”, o dr. Petersen começou, acomodando-se na poltrona diante do sofá em que 
eu e minha mãe tínhamos nos sentado. “O que traz vocês aqui hoje?” 
 Eu contei a ele que minha mãe vinha rastreando meus movimentos através do sinal 
do celular, e que isso fez com que eu me sentisse violada. Minha mãe falou do meu 
interesse por krav maga, e expressou que isso era um sinal de que eu não estava me 
sentindo segura. Contei que ela e Stanton haviam praticamente comprado a academia de 
Parker, o que fazia com que eu me sentisse sufocada e claustrofóbica. Ela falou que eu 
tinha traído sua confiança ao confiar assuntos personalíssimos a estranhos, o que a fez se 
sentir sem defesas e dolorosamente exposta. Durante esse tempo todo, Petersen ouviu com atenção, tomou notas e falou bem pouco até que tivéssemos desabafado. 
 Quando ficamos em silêncio, ele perguntou: “Dinna, por que não me falou nada sobre ter rastreado o telefone de Demetria?”. 
 O ângulo de seu queixo se alterou, uma postura de defesa que eu conhecia muito 
bem. “Não vejo nada de errado nisso. Muitos outros pais rastreiam os filhos através do 
celular.” 
 “Filhos menores de idade”, rebati. “Sou adulta. A minha vida pessoal só diz respeito 
a mim.” 
 “Caso você se pusesse no lugar dela, Demetria”, questionou o dr. Petersen, “é 
possível que se sentisse da mesma forma? E se você descobrisse que alguém anda 
monitorando seus passos sem seu conhecimento e sua permissão?” 
 “Se esse alguém fosse minha mãe e isso garantisse sua paz de espírito, eu não me 
importaria”, ela argumentou. 
 “E você já parou para pensar nos efeitos de suas atitudes sobre a paz de espírito da 
Demetria?”, ele perguntou educadamente. “Sua vontade de proteger sua filha é compreensível, mas você deveria discutir abertamente com ela as medidas que vai tomar para isso. É importante ouvir o ponto de vista de Demetria — e esperar cooperação apenas quando for vontade dela. É preciso respeitar sua prerrogativa de estabelecer limites que não são tão amplos como você gostaria.” 
 Minha mãe bufou, indignada. 
 “Demetria precisa ter o espaço dela, Dianna”, ele continuou, “e sentir que é ela quem 
controla sua própria vida. Tudo isso foi tirado dela por um bom tempo, e precisamos 
respeitar seu direito de se restabelecer da maneira como achar melhor.” 
 “Ah.” Minha mãe torceu o lenço entre os dedos. “Não tinha pensado nisso sob esse 
ponto de vista.” 
 Segurei a mão dela quando seu lábio inferior começou a tremer violentamente. 
“Nada seria capaz de me convencer a não falar com Joseph sobre meu passado. Mas eu 
poderia ter avisado você antes. Desculpe por não ter pensado nisso.” 
 “Você é muito mais forte do que eu”, ela disse, “mas não consigo deixar de me 
preocupar.” 
 “Minha sugestão”, aconselhou o dr. Petersen, “é que você reflita sobre quais tipos de eventos e situações mais lhe causam ansiedade, Dianna. Depois disso, registre tudo por 
escrito.” 
 Minha mãe concordou com a cabeça. 
 “Quando tiver uma lista mais ou menos definida, não precisa ser nada muito detalhado, vocês podem sentar para conversar e encontrar soluções para essas preocupações 
— atitudes com as quais ambas concordem. Por exemplo, se ficar sem notícias da Demi por mais de um dia incomoda você, talvez uma mensagem de texto no celular ou um e-mail seja uma forma menos invasiva de lidar com isso.” 
 “Certo.” 
 “Se vocês quiserem, podemos discutir a lista juntos.” 
 Essa interação entre os dois quase me fez surtar. Era praticamente um insulto. Eu 
não esperava que o dr. Petersen pusesse juízo à força na cabeça da minha mãe, mas 
esperava que ele fosse um pouquinho mais duro — alguém precisava fazer isso, alguém 
cuja autoridade ela respeitasse. 
 Quando a sessão terminou e estávamos de saída, pedi para minha mãe esperar um 
pouco para que eu pudesse fazer uma última pergunta ao dr. Petersen em particular. 
 “Sim, Demetria?” Ele estava de pé na minha frente, aparentando sabedoria e paciência 
infinitas. 
 “Eu andei pensando sobre uma coisa...” Fiz uma pausa, engolindo em seco. “É possível que duas vítimas de abuso tenham uma relação romântica saudável?” 
 “Perfeitamente.” Sua resposta imediata e convicta permitiu que eu voltasse a respirar. 
 Apertei sua mão. “Obrigada.” 
  Quando cheguei em casa, abri a porta com as chaves que Joseph tinha devolvido e 
fui direto para o quarto, cumprimentando Cary, que estava praticando ioga seguindo as 
instruções de um DVD, apenas com um breve aceno.  Tirei a roupa enquanto caminhava para a cama e entrei debaixo das cobertas frias só de lingerie. Abracei um travesseiro e fechei os olhos, tão exaurida que não conseguia pensar em mais nada. 
 A porta se abriu e um instante depois Cary estava sentado ao meu lado. 
 Ele afastou os cabelos do meu rosto lavado de lágrimas. “O que aconteceu, gata?” 
 “Levei um pé na bunda hoje. E por uma porra de um bilhetinho.” 
 Ele suspirou. “Você sabe como as coisas funcionam, Demi. Ele vai querer manter 
você à distância, porque acha que vai ser mais uma decepção na vida dele.” 
 “E estou fazendo de tudo pra mostrar que ele está certo.” Consegui me enxergar 
perfeitamente na descrição de Cary. “Corri quando as coisas ficaram feias, porque tinha 
certeza de que tudo ia terminar mal. E a única atitude que tomei a respeito foi ir embora em vez de ser deixada pra trás.” 
 “Porque você precisa lutar pra manter sua própria reabilitação.” Ele deitou junto às 
minhas costas, passando um dos braços bem definidos sobre mim e me apertando contra 
ele. Eu me aninhei naquele abraço de que nem sabia que precisava. “Ele deve ter me 
chutado por causa do meu passado, não do dele.” 
 “Se isso for verdade, ainda bem que terminou. Mas acho que no fim vocês vão 
acabar se entendendo. Pelo menos é o que eu queria que acontecesse.” Sua respiração roçava de leve meu pescoço. “Quero finais felizes pra todo mundo que já sofreu o diabo na vida. Mostre que é possível, Demi, querida. Me faça acreditar.”

Um comentário:

  1. Amando amando esse blog e essa história ♥
    Perfeita, perfeita e eu preciso demais :)
    Desculpa ficar sem comentar é que eu vi agr que seu outro blog deu problema :(
    Mais volteeei :)
    Continuaaa
    Beijos

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