terça-feira, 8 de julho de 2014

Capítulo 6- MARATONA [1/5]

 Passei o resto da tarde concentrada no trabalho. Mark adorava verbalizar
suas ideias, o que para mim era uma ótima forma de aprendizado, e a maneira
confiante e amigável como ele lidava com seus clientes era inspiradora. Eu o
acompanhei em duas reuniões, nas quais ele conseguiu se impor de uma
maneira absolutamente natural e nem um pouco ameaçadora.

Depois partimos para uma análise das necessidades de uma fabricante de
brinquedos para bebês, procurando cortar gastos com pouco retorno e tentando
encontrar caminhos ainda não explorados, como anúncios em blogs sobre maternidade.
Fiquei feliz por meu trabalho ser capaz de desviar o foco da minha
vida pessoal, e estava ansiosa para chegar logo a hora da minha aula de krav
maga, para poder liberar uma parte daquela agressividade reprimida.

Pouco depois das quatro, o telefone da minha mesa tocou. Atendi sem demora
e senti meu coração disparar ao ouvir a voz de Joseph.
“A gente precisa sair às cinco em ponto”, ele disse, “pra chegar ao consultório
do doutor Petersen na hora marcada.”

“Ah, é.” Eu tinha esquecido que nossas sessões de terapia de casal eram às
quintas, às seis da tarde. Aquela seria a primeira.
Eu me perguntei se não seria também a última.

“Passo aí”, ele continuou em um tom bem seco, “quando chegar a hora.”
Suspirei. Estava cansada. Já bastava todo o desgaste da nossa briga. “Desculpe
ter batido em você. Eu não devia ter feito aquilo. Sinto muito.”

“Meu anjo...” Joseph bufou. “A única pergunta que interessa você não fez.”
Fechei os olhos. O fato de ele sempre saber o que se passava na minha
cabeça era bem irritante. “Enfim, isso não muda o fato de você estar guardando
segredos.”

“Com segredos a gente consegue lidar; com traição, não.”
Esfreguei a testa, sentindo uma dor de cabeça repentina. “Isso é verdade.”
“Você é a única pra mim, Demetria.” Sua voz parecia firme e resoluta.

Senti um tremor pelo corpo ao notar a fúria latente em suas palavras. Ele
ainda estava furioso por ter sua fidelidade questionada. Mas eu também estava
furiosa. “Espero você às cinco.”

Ele foi pontual, como sempre. Enquanto punha meu computador em modo
de espera e pegava minhas coisas, Joseph conversava com Mark a respeito da
campanha publicitária da vodca Kingsman. Eu o espiava de vez em quando.
Joseph tinha uma postura imponente, com seu terno escuro e uma silhueta
magra e musculosa, e projetava uma imagem de tranquilidade imperturbável,
apesar de eu já tê-lo visto em momentos de muita vulnerabilidade.

O homem por quem eu estava apaixonada era aquele, carinhoso e profundamente
emotivo. O que eu detestava era aquela fachada, suas tentativas de
se esconder de mim.

Ele se virou e viu que eu o estava observando. Consegui encontrar vestígios
do meu amado Joseph em seus olhos azuis, que por um momento transmitiram
um apelo de desejo incontrolável. Em um instante, porém, sua máscara de frieza
reapareceu. “Está pronta?”

Era mais do que óbvio que ele estava escondendo alguma coisa, e o fato de
haver tamanha distância entre nós era insuportável. Em determinados pontos,
ele não confiava em mim.

Quando passamos pela recepção, Megumi apoiou o queixo na mão e soltou
um suspiro dramático.
“Ela está gamadinha em você, Jonas”, murmurei enquanto saíamos e ele
chamava o elevador.
“Até parece”, ele esnobou. “O que ela sabe sobre mim?”
“Fiquei fazendo essa pergunta a mim mesma hoje o dia todo”, respondi em
voz baixa.
Dessa vez, tive certeza de que ele sentiu o golpe.

O dr. Lyle Petersen era um homem alto, com cabelos grisalhos bem cortados
e olhos azuis ao mesmo tempo amistosos e incisivos. Seu consultório era
decorado com muito bom gosto, em tons neutros, e a mobília era extremamente
confortável, algo que eu fazia questão de notar toda vez que ia até lá. Ainda não
estava acostumada com a ideia de que ele era meu terapeuta. Meu contato com
ele se dava apenas através da minha mãe, que era sua paciente fazia uns dois
anos.

O dr. Petersen se instalou em sua poltrona de costas altas diante do sofá
em que Joseph e eu nos sentamos. Seu olhar afiado se alternou entre nós dois,
certamente notando que estávamos mantendo certa distância e adotando uma
postura defensiva. No trajeto de carro até lá havíamos nos comportado da
mesma maneira.

Ele abriu a capa protetora de seu tablet, apanhou a caneta e perguntou:
“Vamos começar falando da causa dessa tensão entre vocês?”.

Esperei um pouco para dar a Joseph a chance de falar primeiro, mas não
me surpreendi ao constatar que ele não tomaria a iniciativa. “Bom, nas últimas
vinte e quatro horas conheci a noiva que nem sabia que Joseph tinha...”

“Ex-noiva”, ele rugiu.
“... descobri que ele só namorava morenas por causa dela...”
“Não era namoro.”
“... e a vi saindo do escritório dele nesse estado...”, completei, sacando o
celular.
“Ela estava saindo do prédio”, Joseph fez questão de dizer, “não do meu
escritório.”

Abri a fotografia que tinha tirado e entreguei o telefone para o dr.
Petersen. “E entrando no seu carro, Joseph!”

“Angus disse no caminho pra cá que ofereceu uma carona pra ela por
educação.”

“Como se ele fosse dizer outra coisa!”, rebati. “Ele é seu motorista desde
que você era criança. Claro que ia te acobertar.”
“Ah, então a coisa agora virou uma conspiração?”

“O que ele estava fazendo lá, então?”, eu o desafiei.
“Era horário de almoço.”
“E onde você foi almoçar? Posso conferir se você estava lá e ela não, e a
gente resolve de vez esse assunto.”

Joseph cerrou os dentes. “Eu já disse. Apareceu um compromisso de última
hora. Acabei não indo almoçar.”
“Esse compromisso era com quem?”

“Não era com Corinne.”
“Isso não é resposta!” Eu me virei para o dr. Petersen, que devolveu meu
telefone com toda a tranquilidade do mundo. “Subi até o escritório dele pra perguntar o que estava acontecendo e o encontrei saindo do chuveiro,
quase sem
roupa, com o sofá fora do lugar e almofadas jogadas no chão...”

“Era só uma almofada!”
“E havia uma mancha de batom vermelho na camisa dele.”
“O edifício Crossfire é sede de mais de vinte empresas”, Joseph disse com
frieza. “Ela pode ter ido visitar qualquer uma delas.”
“Ah, sim”, respondi num tom carregado de sarcasmo. “Claro.”

“Não teria sido mais fácil levá-la ao hotel?”
Respirei fundo, sentindo-me tonta. “Você ainda não desocupou aquele
quarto?”

A máscara caiu de seu rosto, revelando sinais de pânico. A confirmação de
que ele ainda tinha seu matadouro — um quarto de hotel usado exclusivamente
para trepar, um lugar ao qual eu jamais voltaria — me atingiu como um soco no
estômago, fazendo uma pontada de dor se espalhar pelo meu peito. Deixei escapar
um gemido e fechei os olhos.

“Vamos com calma”, interveio o dr. Petersen, fazendo algumas anotações
rápidas. “Precisamos voltar para o começo. Joseph, por que você não contou
para Demetria sobre Corinne?”

“Minha intenção era contar”, ele respondeu, resoluto.
“Ele nunca me conta nada”, eu disse baixinho, procurando um lenço na
minha bolsa para não ficar com a cara toda manchada de maquiagem. Por que
ele ainda mantinha aquele quarto? A única explicação era que pretendia usá-lo
com alguém que não fosse eu.

“Sobre o que vocês costumam conversar?”, questionou o dr. Petersen,
dirigindo-se a nós dois.

“A maior parte do tempo eu estou me desculpando”, resmungou Joseph.
O dr. Petersen o encarou. “Por quê?”
“Por tudo.” Ele passou a mão pelos cabelos.

“Você acha que Demetria exige demais de você?”
Senti que Joseph estava virado para mim. “Não. Ela nunca me pede nada.”
“A não ser a verdade”, corrigi, virando-me para ele.
Os olhos dele brilhavam, fazendo minha pulsação acelerar. “Nunca menti
pra você.”

“Você quer que ela peça alguma coisa, Joseph?”, perguntou o dr. Petersen.
Joseph franziu a testa.
“Pense nisso. Depois voltamos a esse assunto.” O dr. Petersen voltou sua
atenção para mim. “Essa fotografia me deixou intrigado, Demetria. Você se deparou
com uma circunstância que a maioria das mulheres considera profundamente
desgastante...”

“Não houve circunstância nenhuma”, Joseph reafirmou sem se alterar.
“Houve a percepção de uma circunstância”, especificou o dr. Petersen.
“Uma percepção claramente ridícula, considerando nossa relação.”
“Certo. Vamos falar sobre isso, então. Quantas vezes por semana vocês
fazem sexo? Em média.”

Fiquei vermelha. Olhei para Joseph, que retribuiu meu olhar com um sorrisinho
malicioso.
“Humm...” Contorci os lábios. “Muitas.”
“Todos os dias?” O dr. Petersen ergueu as sobrancelhas quando me viu
descruzar e cruzar de novo as pernas, concordando com a cabeça. “Várias vezes
por dia?”

O dr. Petersen largou o tablet no colo e olhou para Joseph. “E esse nível de
atividade sexual é seu padrão?”
“Nada no meu relacionamento com Demetria está dentro dos meus padrões,
doutor.”
“Com que frequência você fazia sexo antes de se envolver com Demetria?”

Joseph cerrou os dentes e se virou para mim.
“Pode falar”, incentivei, apesar de saber que não gostaria de responder a
essa mesma pergunta na frente dele.

Ele estendeu a mão, diminuindo a distância entre nós. Pus minha mão
sobre a dele e gostei de sentir seu aperto reconfortante. “Duas vezes por semana”,
ele disse com firmeza. “Em média.”

Fiz uma conta rápida de cabeça para tentar determinar a quantidade de
mulheres. A mão que estava no meu colo se fechou.

O dr. Petersen se recostou na poltrona. “Demetria manifestou preocupações de
infidelidade e falta de comunicação no seu relacionamento. O sexo costuma ser
usado como uma forma de resolver os desentendimentos?”

Joseph ergueu as sobrancelhas. “Antes que você venha me dizer que Demetria
está sendo vítima da minha libido desmedida, saiba que ela toma a iniciativa
tanto quanto eu. Se alguém aqui precisa se preocupar com a viabilidade de
manter o ritmo, esse alguém sou eu, por causa das especificidades da anatomia
masculina.”

O dr. Petersen me olhou, à espera de uma confirmação.
“A maioria das interações entre nós termina em sexo”, concordei, “inclusive
as brigas.”

“Antes ou depois de o conflito ser considerado superado por ambas as
partes?”
Soltei um suspiro. “Antes.”

Ele pegou a caneta e começou a escrever na tela sensível ao toque. Já havia
material para um romance inteiro depois de tudo o que tinha sido dito ali.
“Seu relacionamento tem esse caráter altamente sexualizado desde o início?”,
ele perguntou.

Concordei com a cabeça, mesmo sabendo que ele não estava olhando.
“Sentimos uma atração muito forte um pelo outro.”

“Claro.” Ele tirou os olhos da tela e abriu um sorriso simpático. “Ainda assim,
gostaria de discutir a possibilidade de abstinência enquanto...”
“Fora de questão”, interrompeu Joseph. “Se for assim, é melhor nem
começar. Sugiro que a gente se concentre nas coisas que não estão dando certo,
em vez de eliminar uma das poucas que estão.”
“Não sei se está funcionando tão bem assim, Joseph”, disse o dr. Petersen.
“Não como deveria.”
“Doutor...” Joseph apoiou um dos tornozelos sobre o joelho e se recostou
no assento em uma postura de quem estava irredutível. “O único jeito de me
fazer resistir a ela é me matando. Tente encontrar outra maneira de fazer a gente
dar certo.”

2 comentários:

  1. Posta maaais hoje!! Depois desta derrota vergonhosa do brasil, fiquei tao feliz em ver q vc tinha postado. Please posta mais

    ResponderExcluir
  2. CADEEEE
    Fic maravilhosa
    Postaaaaa!!!!

    ResponderExcluir